O Aparato Humano: Elegia ao Invisível

HERMES ARTES VISUAIS
São Paulo . SP

Paulo Pinheiro - Residência Hermes Artes Visuais


Ouça os sons corriqueiros ao seu redor. Agora, busque o silêncio. Ouça o silêncio. Em A desumanização, Valter Hugo Mãe enuncia [em discurso indireto] para sua personagem: “[O inferno não são os outros, pequena Halla. Eles são o paraíso, porque um homem sozinho é apenas um animal.] A humanidade começa nos que te rodeiam, e não exatamente em ti”¹. Para pensarmos o trabalho de Paulo Pinheiro, nesta pequena mostra, é necessário antes buscarmos, de maneira especulativa, a contemplação contida no silêncio e, a partir dai, fundamentar-se na escolha do que se entende, ao fim ao cabo, enquanto humanidade.

O silêncio em suas imagens parece emanar da negação da produção artística como retrato do mundo. Entenda, Paulo não é um artista comprimido entre a figuração e a abstração: não é disso que se trata seu trabalho. Ao invés de produzir obras que retratam-figuram-emulam a experiência abaixo do céu e, nesse processo, refletem as escolhas que construíram o que temos a mão agora, no presente; Paulo Pinheiro se dispõe a criar trabalhos que são o mundo e não uma representação dele.

Este silêncio é cheio de sentidos e significados, todos produzidos por uma amálgama entre a provocação do artista e o conjunto de referências que o observador traz à baila. Os materiais, costumeiramente coadjuvantes em mostras de arte, escolhidos por Paulo Pinheiro servem, a um só tempo, para reiterar como este artista maneja e orienta o espaço² e também para destacar como o espirito humano naturalmente elabora hierarquias quando, em verdade, as partes deveriam ser entendidas como um todo. 


Sejamos claros: ao destacar fita e chassi, cola descolada de qualquer superfície, fios e tantos outros materiais “pouco nobres”; o artista está estudando e invertendo a lógica que elege protagonistas e coadjuvantes – seja no universo humano, seja no universo dos materiais das artes plásticas e, obviamente, um está refletido no outro dentro de sua pesquisa pictórica.


É no espaço em que a vida acontece. É através dos sons que o hábito humano supera a infinita distancia entre o eu e o outro. É no silêncio que o eu encontra-se sozinho em sua companhia. Este eu, estático porque o planeta lhe foi legado e não dado, precisa apegar-se ao comum, banal e ordinário para construir seu sentido na existência³, e Paulo Pinheiro começa sua pesquisa nesta suposta banalidade para, com suas obras, refletir a sacralidade dos momentos que serão esquecidos, da matéria que fundamenta os momentos excepcionais ou extraordinários que serão ao fim a vida.


Ao ponderar sobre a matéria em sua pesquisa, Paulo Pinheiro destaca o aparato humano sem afirmar se o aparato é o corpo que percebe, o pensamento que dá significado ou a obra de arte que provoca. No firmamento de imagens que são matéria e significado, Paulo Pinheiro parece provocar-nos, em tom quase desafiador, à olharmos para nossa humanidade a partir de nosso centro até as nossas bordas, que não estão limitadas à nossas peles.


Paulo Gallina, agosto de 2021


 

1. MÃE, Valter Hugo. A desumanização. São Paulo: Cosac Naify, 2014. (página 15.)

2. Certamente um hábito que o artista absorveu em seus anos de formação enquanto arquiteto.

3. Afinal, não nos esqueçamos da máxima sartreana: “A existência prescinde de essência”.


Text e Acompanhamento Crítico: Paulo Gallina


Carla Chaim