Tal Qual Acima, Também Abaixo

HERMES ARTES VISUAIS
São Paulo . SP


Tal qual acima, também abaixo

 

Peso e leveza, fragilidade e resistência. Adjetivações polarizantes que podem ser aplicadas a pesquisa de Débora Mazloum (Rio de Janeiro, 1982) ao longo dos anos. Interessada num misto de gabinete de curiosidades com laboratório alquímico, Mazloum tem apresentado, num olhar poético, diversas estratégias de narrativas de mundo, tomando a espacialidade como ficção por excelência. Instrumentos de navegação alterados e desconstruídos, mapas fictícios, documentos migratórios e imagens idealizadas de terras míticas e saqueadas formam um primeiro campo de interesse dos modos de formação de nosso imaginário geográfico, mítico por excelência, mas atrelado ao princípio de verídicção – aliás violento, como todo o projeto moderno de delimitação de mundo.

Com isso, seria de se estranhar suas experimentações recentes, em que pêndulos, prumos, sucata metálica, esferas magnetizadas, superfícies porosas e minérios ‘mágicos’ adquirem protagonismo frente aos vidros, itens fossilizados de fauna e flora, desenhos botânicos, e imagens exóticas de paisagens realizadas por artistas viajantes – mas isso ocorre até o momento em que nos atentamos a natureza dos materiais e seu caráter de fabulação. O gabinete de curiosidades parece ter se transmutado numa oficina mecânica, fria, mas que não perdeu sua dimensão poética. Ao redirecionar a bússola de sua função como instrumento de navegação para signo da “flanagem”, Mazloum reconfigura também seus ímpetos cartográficos, em que o imperativo científico de verdade declina frente a dimensão fantástica de tais materiais e sua história. São magnetos de diversos tipos e formas, minérios e pigmentos que adquirem a função de ‘fazedores de paisagens’ – mas dessa vez, o horizonte fantástico da era das navegações e das pulsões de extração e colonização abstraem-se, tornam-se índices reduzidos aos diversos pós depositados em mantas metálicas, papéis, e recipientes de contenção. Montanhas, vales, oceanos e nascentes parecem se presentificar como vestígios de uma dilapidação compulsória, e dão lugar a um outro horizonte, estelar, astrofisico, astrológico, tão mítico quanto os rios de leite latino-americanos. A mirada exploratória, que antes focava um horizonte de conquista, norteia-se para cima.

O princípio hermético da correspondência efetua um alinhavo das investigações da artista, e solidifica a força narrativa de mundos possíveis nesses investimentos cartográficos de mundo. Talvez daí venha certo fascínio presente na pesquisa de Mazloum, em que o ateliê equivale ao laboratório, que corresponde ao gabinete acumulativo de saberes, lugares de uma epistême secreta, hermética, e da máxima: O que está em cima é como o que está embaixo, e o que está embaixo é como o que está em cima.

Talita Trizoli

 


 

Débora Mazloum

Curadoria e texto crítico Talita Trizoli


Marcelo Barros